Pular para o conteúdo principal

Antecipação da partida.



Junto com as chaves e a xícara de café, quiçá o último gosto amargo que sentiria naquele lugar, ele deixou alguns escritos. Para fazê-los sintetizou o que havia sido sua vida até agora. Escrevera as palavras no alto da frieza, mesmo estando com o coração dilacerado; ia embora naquele momento com um sentimento de derrota. Ele estava indo como um perdedor, porque por mais que tentasse as coisas não seriam nunca do jeito que ele imaginou.
Dentre os desabafos daquele papel estavam os motivos, a falta do diálogo talvez fosse o principal. "Por não tentarem me compreender, por não virem conversar comigo".

Olhava para o passado e percebia "Poxa, pela primeira vez na vida eu tô feliz de verdade. Vocês têm noção o que é ver as pessoas vivendo as coisas? Irmãos, amigos, primos.. e você sempre de lado? Conformado-se que ia viver sozinho? Que seu estado permanente é este, que nasceu para estar deslocado e usa isso como desculpa pra ser tão aheio às pessoas. Mas não é assim, nenhum ser humano é uma ilha." 

Detestava se colocar no papel de coitado. E naquele momento, naquele trago de cigarro fora de casa pra não deixar o cheiro vinha a vontade de não deixar a insegurança dominar: a verdade é que nunca se achou bom o suficiente pra alguém. Passou a vida ouvindo que incomodava quando abria a boca, que aquilo por ele lutava era inútil, que seu sonho é coisa de vagabundo, ou até se olhar e perceber que nunca seria bonito o sufiente. Agradar seria luxo. Mesmo assim...

Mesmo assim... Um dia deu certo. A vida prega peças, e faz dá certo. "Tanto que quando dá certo... eu me perco! Eu não sei como agir, eu surto em determinados momentos."

E ele sempre fingia não se importar. Amarrava os tênis e fechava a mala pensando:

"Mas é isso...?
Sair e pronto?
Ficar o dito pelo nao dito?
É isso ou conviver dando murro em ponta de faca?
Eu aprendi a me fazer feliz .. por mais egoísta que isso possa soar."


Ele chegou no ponto: Egoísmo. 
Conforme vinha no bilhete "Percebo a demonstração que os faço infelizes... OK, mas e eu? É como se eu tivesse tido OPÇÃO. E eu nao quero nem imaginar que tipo de pessoa eu seria se vivesse uma mentira, sinceramente, eu seria uma pessoa do mal. Eu ia ter tanto ódio por nao ser quem eu queria, que eu destruiria os outros, segregaria, seria preconceituoso, arrogante, invejoso...num nível muito maior daqueles que agridem, machucam. Eu nunca fui um cara da violência; mas todos estão cansados de saber que quando a raiva me domina a minha vontade é falar e calar fundo, pra causar traumas de modo que a pessoa nunca se esqueça de quanto uma palavra pode machucar."

Se problema é a merda do: " Mas o que vão dizer..."
Então, aquelas malas que ele carregava para o carro não significavam um abandono e muito menos que nunca mais ia falar com ninguem, mas iria viver da maneira que julgava honesta, sem precisar mentir nem ocultar nada a ninguém.


Não que ele pudesse dizer que nao teve melhoras, justiça seja feita, porque já tinha ouvido os desejos de felicidade, que o julgamento cabe a Deus, etc.

Mesmo assim, dava partida no carro e acenava se sentindo o maior derrotado da face da terra. E que se tivesse coragem, poderia ter pedido socorro antes de tudo chegar naquele pé, ainda que não diretamente, ainda que em um de seus "bilhetes".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Pão, pão; queijo, queijo.

- Então é isso, Celina? É pão, pão; queijo, queijo?... Eu bem vejo como você é determinada, como é cheia de preceitos e, sabe, isso é bonito de ver, Celina. Gente assim tá em falta no mundo, de verdade. Gente que sai, que escuta os outros, que pensa sobre as atitudes e que depois não arreda pé daquilo que determina. Eu não, Celina,  eu sou um bundão. Todos os dias eu saio por aí tentando colecionar afetos depois que você me deixou. Não é que eu esteja te culpando, Celina, logo você que é tão compreensível. Eu só saía por aí tentando ser uma daquelas pessoas que conquista todo mundo com um sorriso, uma palavra doce, igualzinho a você. Eu queria ser você. Só que não adianta, não é verdade, Celina? Não adianta a gente querer mudar o que é de verdade, além de bundão, eu sou um turrão. Só me compram depois que lêem da página dois pra lá; contigo não, você é tão cheia de si, tão dona do sorriso mais sincero que eu já vi. Na verdade eu queria você pra ser um pouco como você. Eita menina deter

Conselho X Consciência.

Perguntei: - Não quero mais viver assim! O que eu faço? Socorro! Responderam: - Se ela voltar com isso, chama num canto, estufa o peito e manda a real. Nem que suas próprias palavras lhe machuquem. Sou uma vergonha pra classe teatral.

Pleno Quotidiano XI

Cena 9 ( rua em frente à faculdade, Gabriella está parada encostada num poste, Marcos chega) Marcos : -Tchau, Gabi. Gabriella : - Gabi? Marcos :- (assustado) ...É. Gabriella : - Nossa! Marcos : - Que foi? Não pode te chamar assim? Gabriella : - Pode. É que eu me assustei. Sei lá, acho que é a terceira vez que conversamos. Marcos : - Então precisa de intimidade pro apelido. Gabriella : -Não. Marcos : - Você está se contradizendo. Gabriella : - Não importa. Marcos : - Não mesmo. ( Gabriella joga o fichário no chão) Marcos : Que foi? O que você tá fazendo? Gabriella : - Se se contradizer não importa, estou eliminando duas regras que se contradizem. A que diz pra eu ser eu mesma, e a que diz que eu não posso me insinuar pra você. ( Gabriella agarra-o e beijam-se) Marcos : - Nunca gostei de regras. Gabriella : - Gosta sim. Diz que não porque não sabe aplicá-las. Marcos :- (ri) Não conhecia essa sua veia cômica, Gabriella. Gabriella : -Gabi. Marcos : - Quê!? (Gabriella beija-o de novo) (B.O