Pular para o conteúdo principal

Cumplicidade Masculina I

         Comprou a passagem, tomou uma água e desceu a escadaria do terminal da Barra Funda. Impressionava-se sempre com cada detalhe daquela cidade, desde uma trinca na parede até a civilização a perder de vista. Havia quatro cadeiras destinadas ao acomodo de quem esperava pelo ônibus com destino ao interior. Olhou bem para quem as ocupava: uma senhora gorda comendo um Club Social e ralhando com sua criança, sentava-se na última da esquerda. De tão espaçosa, achava-se no direito de deixar sua bagagem na cadeira ao seu lado. Na última da direita, encontrava-se um rapaz jovem, de boa aparência. Um rosto de expressão fechada, com sobrancelhas expressivas, mas com traços de jovialidade.
         Sentou-se, então, na cadeira que lhe restava, entre os trecos da gorda e seu companheiro de juventude. Lá estavam. Todos mirando de esguio o grande relógio branco à espera das quatro da tarde; a mulher comia e xingava, o moço fechava a cara e lia e ele espiava tudo aquilo.
         Não mais que de repente, ela desce das escadas. Tinha na certa tanta idade quanto os dois rapazes, mas demonstrava muito mais segurança e desenvoltura pra viver, apesar de estar perdida naquele lugar. Trajava um vestido de cor clara, um palmo acima do joelho. Um ligeiro decote, justamente daquele que deixa qualquer homem doido, a fim de não escachar os peitos, mas sim de estimular o olhar para mensurar o real tamanho. Tinha pernas bem torneadas - e depiladas, diga-se de passagem -, andava com graça a despeito de sua confusão, como já informei. De pele branca e corada pelo sol e cabelos claros, nos quais usava algum apetrecho que determinava sua personalidade.
         Ela vinha de frente enquanto os rapazes acompanhavam seu trajeto, passou por eles e foi mais adiante, deixando visível a sua bunda. Bela bunda, redondinha e pra cima, desenhava o vestido e tinha um sincero rebolado: um daqueles que não imploram para serem vistos.
         Foi até lá, e voltou ainda perdida a procura na certa da plataforma correta, passou mais uma vez por eles que se perdiam em olhares. Foi nessa que um flagrou o outro a fitar a garota. Quando assim perceberam - sequer se conheciam - olharam-se seriamente, ergueram as sobrancelhas e fizeram um biquinho, o sinal que traduz em toda sua essência “Você viu que gostosa, rapaz?”.

Comentários

Tamires Oliveira disse…
kkkk' não pude deixar de rir .. homens, todos iguais (:
Unknown disse…
Não tem a ver com homens e se somos ou não assim tão parecidos.
Certas coisas na vida têm esse poder, de amálgama,pela estupefação que causam.
Não é a mulher em si, não é a libido.
É a arte. É a beleza!!!
ô Marcelo, vejo que és amigo do café pequeno e fã do Zé Ramalho. rs.
A respeito dessas mulheres que causam estupefação, indico um blog, erguendo a sobrancelha.
Chama-se E Deus Criou a mulher. Não sei o endereço de cor, mas vc o acha lá no meu blog, o submundo. Falou!

Postagens mais visitadas deste blog

Pão, pão; queijo, queijo.

- Então é isso, Celina? É pão, pão; queijo, queijo?... Eu bem vejo como você é determinada, como é cheia de preceitos e, sabe, isso é bonito de ver, Celina. Gente assim tá em falta no mundo, de verdade. Gente que sai, que escuta os outros, que pensa sobre as atitudes e que depois não arreda pé daquilo que determina. Eu não, Celina,  eu sou um bundão. Todos os dias eu saio por aí tentando colecionar afetos depois que você me deixou. Não é que eu esteja te culpando, Celina, logo você que é tão compreensível. Eu só saía por aí tentando ser uma daquelas pessoas que conquista todo mundo com um sorriso, uma palavra doce, igualzinho a você. Eu queria ser você. Só que não adianta, não é verdade, Celina? Não adianta a gente querer mudar o que é de verdade, além de bundão, eu sou um turrão. Só me compram depois que lêem da página dois pra lá; contigo não, você é tão cheia de si, tão dona do sorriso mais sincero que eu já vi. Na verdade eu queria você pra ser um pouco como você. Eita menina d...

O post do alcólatra

Situação: álcool na sexta e no sábado. Sábado é hoje, álcool presente contínuo. Decido por fazer a experiência de postar em tais moldes, veremos.Gostaria de dicertar sobre ontem. Tudo começa com a extrema irritação proveniente da convicência com outros seres-humanos ao longo do dia todo. Brigas e mais brigas, discuções, vontade de mandar ir tomar no cu pois minha vida é minha, se é que me entendem. Mas daí. Veio o encontro casual. Pessoas que estavam predestinadas a estarem lá naquela hora e naquele local. Revelações que apenas esperavam a oportunidade pra serem confirmadas, pois todo mundo já sabia de todo mundo. Diversão. Adrenalina. Flerte. Luxúria. Vergonha. Despreocupação. Casa. Xingo. Ressaca e dores genitais. Chega o sábado. Mentiras vão, mentiras vêm. Desculpas esfarrapadas que colam muito bem são dadas. Orgulho. Aniversário de irmã. Festa "surpresa". Carro de telemensagem. Declaração de amor. Falando em amor, o amor da vida estava presente. Contei todo o ocorrido no ...

Hierarquia de sentimentos

Às vezes eu me pergunto se dentro dos sentimentos existe uma certa hierarquia. Algo como uma escala, que mensura qual tipo de sensação lhe fará sofrer mais e menos. O que é besteira da minha parte, porque nem tudo cabe padronizar.  É aí que eu entendo o conceito de subjetividade. É quando você compreende o que é sofrer tanto que parece que não cabe mais dor dentro de você, mesmo que fisicamente não exista um arranhão. O choro é como se fosse um túnel estreito por onde se dá vazão às melancolias confinadas a sete chaves dentro do peito. Quanto mais velhos ficamos, mais aprendemos a domar estas dores. Constrói-se uma dura parede em volta daquilo que já enjoamos de sofrer. Gasta-se muito esforço, pra tentar viver sem tentar se preocupar. Mas basta um pequeno empurrão, um gatilho oculto, uma coisa que vem de onde e de quem menos se espera e que faz com que tudo aquilo guardado volte à tona e que você sofra com coisas que não faz mais sentido sofrer e chore pra compensar tudo aqu...